Maierovitch e os inconformistas de Roma

A mais frustrante contribuição ao debate sobre os limites do Supremo foi oferecida pelo jurista Wálter Maierovitch. Porque, pela qualidade do autor, teve o poder de abalar expectativas.

Maierovitch analisa o caso da agressão a Alexandre de Moraes em Roma, em artigo recente no UOL.

Faz uma longa defesa da igualdade de tratamento a todos os cidadãos por parte do sistema de Justiça e conclui que o ministro está sendo, como vítima, privilegiado pelo Supremo.

O jurista enumera as deliberações do STF, a partir do momento em que o tribunal “chama para si a competência do caso Moraes”.

E critica desde a busca e apreensão na casa dos agressores à centralização de toda a investigação na Corte onde o ministro trabalha.

A argumentação é límpida. Maierovitch não tem o dom do gongorismo da maioria dos colegas juristas. Como também é límpido o desfecho do texto, com a seguinte conclusão:

“Pelo apurado até o momento, os ataques a Moraes e aos seus familiares não foram ‘orquestrados’, adrede preparados. Os irrogados agressores desconheciam a presença de Moraes na Itália e nem sabiam de embarque no dia fatídico. Surpreendidos, revoltaram-se e atacaram por puro inconformismo”.

Depois de classificar como graves os ataques dos Mantovani a Moraes e à sua família e dizer que houve “incivilidade e ingresso na órbita do direito criminal”, Maierovitch resume o que ocorreu a um gesto acionado pelo inconformismo repentino, num momento de surpresa.

Acerta, porque não há como errar, no enquadramento genérico da agressão, mas pode ter errado na definição do gesto dos agressores. O que aconteceu teria sido um ato de inconformistas, mas não planejado.

No que isso ajuda na compreensão da agressão no contexto de todas as agressões não planejadas não só a ministros do Supremo?

Nada. Zero. Há mesmo a atenuante do fortuito nos ódios inconformistas que se manifestam com ou sem surpresas?

Por inconformismo com alguma coisa, um torcedor do Flamengo jogou uma garrafa num grupo de torcedores do Palmeiras e matou Gabriela Anelli, de 23 anos.

Seu inconformismo poderia ter provocado ferimentos, mas não a morte. E seria apenas inconformismo. Virou um assassinato.

Por puro inconformismo pelo assassinato de um colega, policiais da PM de Tarcísio de Freitas invadiram o Guarujá e mataram mais de 10 pessoas. Poderiam não ter matado. Poderiam ter detido os suspeitos.

Por inconformismo, o preparador físico do Flamengo deu um soco na cara do jogador Pedro dentro do vestiário.

Foram inconformados e inconformistas da extrema direita que se reuniram, em novembro do ano passado, em torno de um restaurante em Porto Belo (SC) e expulsaram o ministro Luis Roberto Barroso e a família da cidade às 4h da madrugada.

Por puro inconformismo, em maio do ano passado um grupo de empresários de Bento Gonçalves avisou que o ministro Luiz Fux, presidente do STF, não deveria aparecer para uma palestra na cidade. O que aconteceria se o ministro decidisse ir e enfrentá-los?

Inconformistas estão por toda parte, desde tempos bíblicos. Muitos matam as mulheres por inconformismo moral por impulso, de surpresa, numa discussão.

Foram inconformistas abrigados à porta de quartéis que invadiram Brasília no 8 de janeiro e destruíram instalações dos três poderes.

Fui procurar, como leigo e ainda curioso, onde se encontra a palavra inconformismo em algum texto legal que trate de delitos dos inconformados na política.

Achei aqui, na Lei 7.170, no artigo 20 do título segundo, que relaciona esses crimes e as suas penas:

“Art. 20 – Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Pena: reclusão, de 3 a 10 anos”.

Esse artigo é da Lei de Segurança Nacional, revogada em 2021. A palavra inconformismo, citada na sequência de terrorismo, tinha ali a função do complemento. No texto de Maierovitch, se apresenta quase como um eufemismo contemporizador.

São outras as palavras definidoras das atitudes de inconformados e inconformistas que perseguem ministros do STF em tempos anormais de expansão imparável do fascismo.

Não há hermenêutica numa caixinha capaz de dar conta do significado de tanta agressividade e de tanto ódio, que não são ocasionais muito menos fortuitos. Mas juristas são sensatos e cuidadosos.

2 thoughts on “Maierovitch e os inconformistas de Roma

  1. Brilhante texto, como sempre.

    há uma desgraça, no entanto:

    imensa parte ( da “nossa” parte) aplaudiu os tais “escrachos” de gente que talvez os mereça, mas…

    247 e dcms faziam festa.

    Brito, o fernando, era contra.

    palmas pro brito.

  2. perfeito. Parabens! Gostaria de ver esse texto sendo contraposto (se POSSÍVEL) pelo jurista. Acho que voltaria ATRÁS no conceito de incoformismo.

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