O homem fora do tempo
Uma cena que imaginei muito esta semana. Se aquele show do procurador Deltan Dallagnol sobre a denúncia contra Lula tivesse sido montado há uns 10 anos, ele chegaria em casa, jogaria o paletó no sofá e diria para mulher: arrasei.
Ela responderia: é só do que se fala na Globo e no rádio. E os dois iriam beber um bom vinho, para comemorar o sucesso de um espetáculo do Ministério Público nunca antes transmitido ao vivo para todo o país.
E então imaginei a mesma cena hoje. Dallagnoll chega em casa, joga o paletó no sofá, a mulher o acolhe carinhosamente e pergunta: o que deu errado naquela rosácea do PowerPoint? Que estagiário fez aquilo? Por que você não me disse antes que pretendia usar o PowerPoint?
Pois é. Em outros tempos, Dallagnol teria arrasado e enganado meio mundo, jogando para um público que muitos consideram imbecil. E depois seria só esperar que o juiz Moro acolhesse a denúncia.
Há uns 10 anos, sem Facebook e sem redes sociais, a repercussão do que ele fez estaria restrita ao jornalismo da bajulação, ao meio acadêmico, aos juristas e aos palpiteiros.
Agora, não. Agora, o brasileiro médio, mesmo o que não sabe quase nada de manobras e retóricas judiciais, deu-se conta de que algo estava muito errado. E pôde compartilhar seu espanto.
Há pessoas à frente do seu tempo, como diz o velho clichê. Dallagnol pode ser, com seu PowerPoint de setas e bolinhas roxas, um homem atrás do tempo em que vive.
O procurador subestimou quase tudo – a tecnologia, a complexidade de um caso que não é assim tão simplório para figurar em organogramas infantis e, o mais importante, a capacidade de avaliação e de reação do público.
Dallagnol e seu PowerPoint fariam sucesso se tivessem a chance daquela performance uma década e pouco atrás, com uma imprensa amiga e sem o FaceBook para esculachar seu show.
Ninguém hoje usa um PowerPoint impunemente.