Os cinco anos do inquérito das fake news e as sete vidas de um periquito

É o mural mumificado da impunidade a lista de nomes do primeiro grupo de investigados, e a maioria ainda sob investigação, do inquérito das fake news, que completa cinco anos nesse 14 de março. Mas um nome se destaca de todos os outros.

Policiais, promotores, procuradores, juízes de primeira instância, desembargadores e ministros das mais altas Cortes sabem que um nome está bem acima de todos os outros colegas famosos da extrema direita.

Muito acima dos nomes de Allan dos Santos, Carla Zambelli e Bia Kicis. Nenhum outro investigado supera em onipresença e em participação em inquéritos abertos desde antes do governo Bolsonaro o do empresário Luciano Hang, o autroproclamado em vídeos e propagandas como véio da Havan.

O véio da Havan, que Alexandre de Moraes disse se vestir de verde periquito para aparecer ao lado de Bolsonaro como se fosse uma autoridade, é a maior celebridade do inquérito que teve até agora, depois de vários desdobramentos e puxados (incluindo gabinete do ódio, milícias digitais e golpismo, que são tudo a mesma coisa), apenas dois enquadrados pelo sistema de Justiça.

Roberto Jefferson e Daniel Silveira, condenados e ainda presos, são as exceções em meio à impunidade. Allan dos Santos, com prisão decretada, está foragido nos Estados Unidos.

São cinco anos de investigações. O inquérito 4.781 foi aberto num 14 de março de 2019, o mesmo 14 de março do assassinato de Marielle Franco, um ano antes, no Rio.

Nesses cinco anos, sabe-se e compreende-se que Ministério Público e Judiciário não conseguiram avançar durante o governo de Bolsonaro.

Sabe-se que, para fechar o cerco em torno de todos os investigados e não deixar brechas, até hoje há coleta de provas. E sabe-se que esse é o inquérito pai e mãe de todos os outros e por isso não pode falhar.

Compreende-se que, por ter sido aberto durante o governo de extrema direita, só agora, depois da busca da normalidade com a eleição de Lula e com novo comando na Procuradoria-Geral da República, as investigações começam a avançar.

Mas sabemos todos que o inquérito das fake news chegou ao seu tempo limite, ou poderá ser uma grande obra abatumada, se não oferecer respostas ainda este ano.

Para relembrar, relacionamos abaixo os nomes dos que estão na origem das investigações, alguns dos quais já considerados dispensados, como Sara Winter, e outros presentes em várias outras sindicâncias, e aí o nome mais frequente é o do véio da Havan.

Inquieta, perturba e constrange saber que esse sujeito, já investigado e processado sob a acusação de outros delitos graves (como o de sonegação de impostos e de contribuição previdenciária), sempre consiga escapar.
Nunca foi condenado em última instância e sua única pena, entre todos esses imbróglios, foi a da inelegibilidade por oito anos, decidida pelo TSE no ano passado em inquérito sobre a eleição do prefeito de Brusque, Ari Vequi, em 2020.

O véio foi condenado pelo delito eleitoral do abuso de poder econômico durante a campanha de Vequi. Outros dois processos por abuso de poder econômico na mesma eleição de 2020, desta vez no Rio Grande do Sul (Bagé e Santa Rosa), tramitam em recurso no TSE, depois que o empresário foi absolvido no TRE gaúcho.

Hang está ou esteve em várias investigações nos últimos anos, entre as quais a da CPI da Covid, de onde saiu como integrante da lista com pedidos de indiciamento ao Ministério Público, por incitação ao crime ao disseminar informações consideradas falsas contra a saúde pública. Nunca foi indiciado.

Também é investigado, ao lado do empresário Meyer Nigri, como participante de um grupo de oito tios do zap acusados de participar em 2022 de um esquema de propagação de mensagens golpistas, com ataques às eleições e ao Supremo.

Os outros seis tios foram dispensados do inquérito por Alexandre de Moraes, mas Nigri e Hang ainda são investigados. O véio da Havan é um caso à parte, porque teve dois celulares apreendidos, em agosto de 2022, durante o governo Bolsonaro, e não forneceu as senhas.

Até hoje a Polícia Federal não conseguiu acessar os conteúdos dos aparelhos, enquanto todos os outros celulares apreendidos já foram devassados, com informações vazadas para a grande imprensa.

Essa é a realidade hoje. Policiais, promotores, procuradores, juízes de primeira instância, desembargadores e ministros das mais altas Cortes sabem que, com suas sete vidas e com o corpo fechado, Hang continua escapando do indiciamento solicitado pela CPI da Covid, do desfecho do envolvimento com os tios golpistas do zap e da acusação de participar, como patrocinador, do esquema das fake news, lá na sua origem, antes mesmo de Bolsonaro chegar ao poder.

E vai escapar da última acusação, por delação de Mauro Cid, de que participou de uma das reuniões para a articulação do golpe com Bolsonaro? Cid contou à PF que Hang esteve com Bolsonaro, com outros empresários, no dia 7 de novembro, uma semana depois da eleição, quando pediram que as Forças Armadas largassem uma nota dura “para virar o jogo”.

Esses abaixo são os investigados há cinco anos por terem participado de algum delito, no começo da estruturação do que se convencionou chamar de gabinete do ódio e agregados, com operadores e financiadores dentro e fora do Palácio do Planalto:

Luciano Hang, empresário, dono das lojas Havan;

Edgard Corona, empresário, dono dos grupos de academias esportivas Smart Fit e BioRitmo;

Marcos Belizzia, porta-voz do grupo “NasRuas”;

Otavio Fakhouri, empresário e colaborador do site “Crítica Nacional”.

Enzo Leonardo (Enzuh), youtuber.

Edson Salomão, chefe de gabinete do deputado estadual Douglas Garcia.

Bia Kicis (PSL-DF), deputada federal.

Carla Zambelli (PSL-SP), deputada federal e fundadora do Movimento Nas Ruas;

Daniel Silveira (PSL-RJ), deputado federal e ex-policial militar do Rio de Janeiro, preso e condenado;

Filipe Barros (PSL-PR), deputado federal, ex-vereador de Londrina (PR) e advogado;

Cabo Junio Amaral (PSL-MG), deputado federal e policial militar de Minas Gerais reformado;

Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP), deputado federal;

Douglas Garcia (PSL-SP), deputado estadual, vice-presidente do movimento conservador “Direita São Paulo”;

Gil Diniz (PSL-SP), deputado estadual e líder do PSL na Assembleia de São Paulo;

Allan dos Santos, blogueiro do site Terça Livre, foragido nos Estados Unidos;

Sara Winter, ativista e líder do movimento “300 do Brasil”, fez acordos com o sistema de Justiça e reside hoje fora do Brasil;

Winston Lima, capitão da reserva, youtuber, organizador das manifestações pró-Bolsonaro e coordenador do “Bloco Movimento Brasil”;

Bernardo Kuster, youtuber, autor e diretor do site “Brasil Sem Medo” de Olavo de Carvalho;

Reynaldo Bianchi Junior, humorista conhecido como “Rey Bianchi”;

Roberto Jefferson, ex-deputado federal e presidente nacional do PTB, preso e condenado.

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Nesse 14 de março, o inquérito das fake news e as investigações sobre o mandante da morte de Marielle ainda desafiam o sistema de Justiça.

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