Os títulos de Raymundo Faoro e Cristiano Zanin 

Cristiano Zanin chega ao Supremo sem currículo lattes. Tem ficha corrida, mas não tem títulos acadêmicos para exibir, nunca foi doutor e mestre numa área bem ocupada por pós-doutorados.

O que isso significa no Brasil de valores líquidos e gasosos? Que, pela medida das réguas da academia, Zanin não tem, por exemplo, a dimensão de uma figura do porte de Janaína Paschoal, doutora da USP.

Depois de insistirem na desqualificação do novo ministro por ter sido advogado de Lula, repetem a todo momento que ele tem formação acadêmica básica. Todos os jornais dedicaram-se a essa pauta.

O grande Raymundo Faoro também tinha um lastro básico como homem do Direito e das ciências políticas e sociais. Faoro foi mais do que um dos maiores juristas militantes brasileiros do século 20.

É o autor de Os donos do poder, presente em qualquer lista dos 10 mais importantes livros para a compreensão do Brasil. Era homem de ação, pesquisador e pensador, mas não tinha títulos.

Também sem títulos, Zanin entra agora no Supremo. Por falta de títulos, Faoro nunca entrou na universidade como professor.

A única academia que o aceitou foi a de letras. Em 1997, eu o entrevistei para o jornal Zero Hora, quando fiquei sabendo de suas deficiências.

Encerrada a entrevista, feita por telefone, ficamos na conversa jogada fora. Eu quis saber se ele estava lecionando. Sua resposta:

– Não me convidam, porque não tenho títulos.

Raymundo Faoro era esnobado pelas estruturas e pelos estamentos da sapiência acadêmica. A burocracia e o formalismo das titulações dispensavam o que ele sabia.

O tom da resposta e o andamento da conversa me passaram tristeza, mais do que sentimento de mágoa.

Sem títulos, sem doutorados e sem o reconhecimento formal do notório saber, Faoro não poderia dar aulas, apesar de ser também um estudioso de Machado de Assis.

Quantos doutoramentos foram inspirados e orientados no que ele nos oferece em suas obras? Mas não podia tratar diretamente do que sabia com quem desejasse estudá-lo.

O Faoro acadêmico sem academia nos deixou lições de história, ciência política e sociologia, sem nunca ter sido professor.

O Faoro advogado, presidente da OAB durante a ditadura, nos deixou o legado da defesa intransigente dos direitos individuais. É o que mais esperam de Zanin no STF, a defesa dos direitos de cada um de nós.

O novo ministro nasceu em 1975, quando Faoro se envolvia com a garantia das liberdades e afrontava a arrogância e as crueldades dos militares. Foi sua titulação na vida real.

Sabem disso professores e alunos de universidades que acompanharam também a luta recente de Zanin e não se alienaram e não se acovardaram diante do lavajatismo justiceiro e do fascismo bolsonarista.

  

2 thoughts on “Os títulos de Raymundo Faoro e Cristiano Zanin 

  1. Só um esclarecimento: pós-doutorado NÃO é um título acadêmico. Em países mais desenvolvidos que conheço (Espanha, Inglaterra, EUA, Holanda) o P-D é só uma bolsa de estudos para doutores desempregados. O/A sujeito/a tem doutorado mas não tem emprego de professor ou pesquisador, só isso.

    Por aqui, o P-D é também uma bolsa de estudos para o/a doutor/a fazer pesquisa, geralmente no exterior. Quem faz P-D não recebe nenhum título acadêmico. P-D não significa nada, só que o/a sujeito/a ganhou uma bolsa de estudos, só isso.

  2. Existe uma máxima entre os doutores humildes, aqueles que se consideram eternos alunos pois estão sempre aprendendo e buscando novos conhecimentos: Faça o doutorado, pois se ele não servir para mais nada, serve para por o dr. na frente do nome e isto abre muitas portas.
    Por isto que vemos tantos “doutores” dando opiniões por ai. no caso deles, o doutorado só serviu realmente para por o dr. na frente do nome e arrotar o título. não ganharam em conhecimento e sem ele, em humildade. Sempre desconfie de alguém que gosta de ser chamado de doutor, pois até delegado de cadeia gosta de ser chamado de doutor. vá num médico se estiver doente e não num doutor. Na verdade poucos médicos chegaram a fazer doutorado, mas por uma lei esdrúxula, eles podem colocar o dr.impunemente na frente do nome e exigir ser tratados assim. O mesmo vale para advogados e muitos bacharéis em engenharia também gostam de ser tratados por doutor.

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