A grande festa da direita

O debate mais interessante no Brasil hoje é o que envolve a força política dos votos nulo e em branco. Esgotadas outras formas de protesto, com o esvaziamento das manifestações de rua, essa seria a mais radical forma de responder ao cenário político criado pelo golpe, ainda mais agravado pelos resultados do primeiro turno e pelas perspectivas criadas para o segundo turno das eleições municipais.

O recurso é antigo, mas é a primeira vez que não votar em alguém (incluindo a abstenção) mobiliza tanta gente e de forma organizada em tempos de democracia.

Lidamos com algumas situações óbvias que desafiam o protesto como algo capaz de provocar os resultados esperados por alguns. Mesmo que os mais agarrados à ideia defendam que os efeitos não precisam ser imediatos ou nem mesmo percebíveis.

Os votos em branco e nulo colocariam em questão a eleição como expressão da democracia, diante do crescimento do golpismo que, paradoxalmente, se beneficia desse desconsolo. Não votar é um jeito clássico de anarquizar com a eleição.

O conservadorismo comemora. Tanto que a direita que golpeou Dilma e que despreza a democracia foi com força às urnas no primeiro turno. Doria Júnior, em São Paulo, e Marchezan Júnior, em Porto Alegre, são expressões da votação concentrada em massa em nomes confiáveis do conservadorismo.

Ah, dirão, mas o povo também votou neles. Sim, o voto votava e vota em Maluf. Mas esses dois são a expressão da classe média antipetista.

Eles foram os escolhidos, enquanto outras opções à direita ficaram pelo caminho. O conservadorismo soube concentrar escolhas, enquanto a votação das esquerdas se dispersava de novo ou se ausentava pelas abstenções, pelos votos em branco e pelos nulos que prometem crescer no segundo turno.

A classe média progressista e desconsolada deu à classe média antiPT, anticotas, antiProUni e até, secretamente, antiSUS o direito de ter de novo o prazer de votar contra. A democracia desiludida acaba por favorecer os golpistas e os desorientados ou desinformados que a combatem para seguir a manada.

Assim, Doria foi eleito em São Paulo não pelos 53% de votos válidos, mas por apenas 32% do eleitorado que poderia votar. Doria representa menos de um terço do eleitorado paulistano.

A direita não está preocupada com isso. Nem com o desejo da esquerda em depressão de tentar deslegitimar os eleitos no segundo turno.

Outros candidatos, como João Doria, serão escolhidos em todo o Brasil com a mais baixa representação eleitoral da democracia.

Alguns dos que protestam anulando ou votando em branco ou ficando em casa no dia da eleição dirão que os efeitos disso serão sentidos um dia, talvez ainda distante. Outros dizem apenas que desistiram de participar de uma farsa.

Para esses, não há estratégia, não há nada a ser vislumbrado no futuro, nem o desejo de desqualificar a representatividade dos eleitos. Há apenas a vontade de não votar, ou talvez o que exista seja somente o cansaço.

Nesse ambiente, pode ser que a democracia brasileira venha mesmo a ser desfrutada, a partir do que acontecer nas urnas, por uma maioria de golpistas assumidos ou dissimulados.

Os outros, os eleitores que os acompanham sem fazer parte dessa base reacionária e precariamente ideológica, só descobrirão mais tarde que foram de novo manobrados.

E assim evolui a alquebrada democracia brasileira, maltratada por um Judiciário partidarizado e pelas instituições que deveriam defendê-la. A direita comemora e se refestela.

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