É preciso mais do que bater panelas
Os argentinos vão se dedicar no Natal ao esquecimento e ao aprendizado do que tentaram fazer no 20 de dezembro, como fazem todos os anos, e não deu certo.
Agora, é pensar na invertida, depois dos 7 a 1 de Javier Milei e Patricia Bullrich. Mesmo que até as esquerdas brasileiras não admitam, pela frustração de expectativas, as manifestações de rua em Buenos Aires floparam.
Não é uma informação vaga de alguém espiou de longe, de uma esquina da San Martín, e mandou dizer que a Praça de Maio estava quase vazia. Porque as TVs argentinas mostravam a todo momento, com drones, que a praça tinha pouca gente.
Às 17h, quando Milei deixa sorrindo o centro de comando da Polícia Federal, os drones denunciavam por que o fascista estava distensionado.
Ali se sabia que os piqueteiros não iriam reunir 10% dos 50 mil esperados nas ruas. Logo depois os manifestantes começaram a se dispersar.
Desconsidere a conta depreciativa da polícia de Patricia, de que eram 2 mil os manifestantes, e observe de novo nos vídeos a imagem das 17h. A Praça de Maio não reunia mais do que 4 mil pessoas, numa estimativa forçada.
Milei e Patricia pisotearam numa das datas mais importantes da luta contra governos repressores, o 20 de dezembro de 2001, quando a polícia do presidente Fernando de la Rúa matou 38 pessoas.
Milei mandou reprimir, afugentou inclusive os mais bravos piqueteiros, lançou o pacote antipovo à noite e comemorou. Havia amordaçado e humilhado os movimentos sociais que sustentam as esquerdas.
Milei afugentou peronistas e kirchneristas no 20 de dezembro que eles tanto lembram para que não seja esquecido.
Por isso o 20 de dezembro de 2023 foi um desastre. Os peronistas não mostraram a cara porque não havia o que mostrar depois da derrota na eleição. Só as esquerdas do ativismo piqueteiro foram às ruas.
Nem a CGT (Central Geral dos Trabalhadores), também dominada historicamente pelos peronistas, e outras centrais apareceram. Porque era arriscado ter a imagem associada a um fracasso.
E a frustração cai então no colo do Polo Obrero, que agrega o povo presente nas ruas, e no seu líder Eduardo Belliboni. Eles, os ‘esquerdistas’, pagam o custo do fracasso e ficam com o mérito consolador da bravura.
Eles e a candidata à presidência na eleição desse ano Myriam Bregman, da coalizão Frente de Esquerda. Belliboni e Myriam mostraram a cara.
O resto esperou o pacote destrutivo para anunciar, como já anunciam as centrais CGT, CTA e ATE, que pode haver greve daqui a pouco, por causa da motosserra que tirou direitos dos trabalhadores e entregou a Argentina ao mercado.
Os panelaços do dia seguinte diante do Congresso só atenuam a derrota da véspera. E relembram que foi assim, batendo panelas, que o povo nas ruas derrubou De la Rúa em 2001.
Foi a partir de 2001, o ano do desespero, dos saques nos supermercados e de gente nas ruas, que os panelaços se disseminaram pela América Latina.
Mas os argentinos sabem que só bater panelas não basta. A afronta da extrema direita ainda espera uma reação à altura da violência produzida e que, segundo o próprio Milei, está apenas no começo.
Guerra civil
A reação popular virá, mas não tão imediatamente. O fascistóide ganhou de lavada, essa é a verdade, e tá fazendo o que falou que iria fazer, pois se sente legitimado. A oposição está ainda abatida pela derrota acachapante, tentando saber se alguém anotou a placa do caminhão que a a atropelou . E a Argentina não se resume à província de Buenos Aires. Muita agua pra rolar. E o enfrentamento precipitado nestas condições pode dar o pretexto para que ele parta para a a via golpista (o fará, certamente, mas é preferível que o faça quando estiver desgastado e enfraquecido, pois assim será mais fácil derruba-lo)