Estamos de novo diante do risco das sequelas de acordos, tréguas e anistias pós-golpe

Os últimos movimentos trazem de novo para o palco das acomodações, ao lado de generais, os sujeitos que acamparam diante do QG do Exército em Brasília, num ambiente de pregação do golpe.

É o patriota, mané ou aprendiz de fascista que até pode ter incentivado a invasão dos prédios dos três poderes, mas não foi um dos invasores do 8 de janeiro e não quebrou nada.

Esse indivíduo, com o perfil médio de golpista apenas acampado, e que já é réu, virou um problemão para o Ministério Público e para a Justiça. Porque é difícil analisar caso a caso e é complicado encontrar provas de golpismo.

Mas o simples fato de ter estado acampado não basta? A Procuradoria-Geral da República mandou dizer ao ministro Alexandre de Moraes que não.

A PGR pediu autorização para analisar a possibilidade de acordo com pelo menos mil dos mais de 1,4 mil réus saídos das prisões de 8 e 9 de janeiro.

São esses mil os que foram presos como acampados no dia 9. Os outros, os detidos em flagrante, no dia 8, nas áreas invadidas ou no entorno (alguns casos com muitas provas de depredação), são de outro departamento. Esses serão julgados e podem ser condenados?

A ‘anistia’ para os acampados tem o nome de acordo de não persecução penal. O réu confessa o crime, se a pena máxima prevista for de quatro anos e ele for primário, e não é condenado e, claro, não cumpre pena.

Se não tiver antecedentes, o sujeito paga uma multa, presta serviços à comunidade e nem fica registrado como criminoso, ou seja, não deixa de ser primário.

Se, depois de anistiado, não for contido por restrições da Justiça nas redes sociais, pode voltar a fazer dancinha no TikTok e a ostentar sua inocência e provocar parentes, amigos e vizinhos.

Parece fácil dar um jeito na vida dessa gente, sem ter de colocá-los numa fila à espera de condenações. Mas definir, para cada caso, quem pode ou não fazer o acordo talvez venha a ser tão complexo quanto encontrar provas contra réus que conspiravam nos acampamentos.

O primeiro dilema é este: que crimes eles irão confessar, se ainda permanecem as controvérsias sobre a situação de quem grita ‘eu quero um golpe’, mas não faz nada de concreto no sentido de articular ou participar de uma tentativa de golpe.

O sujeito que acampa, prega o golpe, incentiva outros a invadirem prédios dos três poderes, esse golpista não é suficientemente golpista para as leis que poderiam enquadrá-lo?

Basta que esteja acampado para que seja um incentivador, ou não? E quem prova que ele incentivou o golpe? Basta ter frequentado a aglomeração ou ter aparecido no dia 9 no local, quando a PM fez as prisões?

O que esse réu dirá, quando for chamado a assinar um acordo, sobre o que fez em Brasília e que poderia classificá-lo como criminoso?

Há na direita, e não só na extrema direita, a tese segundo a qual esse sujeito não deve fazer acordos e levar o processo adiante, até ser absolvido.

Até porque, de acordo com essa tática, se confessar o crime e fizer acordo, ele pode ser excluído das redes sociais por um tempo a ser ainda definido. E um fascista não vive sem redes sociais.

Mas a grande questão, que interessa a todos nós, é o dilema da impunidade numa hora dessas. Golpistas podem ser anistiados, para que voltem daqui a pouco, dependendo das circunstâncias, a pregar o golpe?

Manés podem sair impunes, assim como sairão, pelo que se anuncia, os comandantes militares a serem beneficiados por um acordão que beneficiaria os homens das altas e patentes e iria transferir culpas apenas aos subalternos comprovadamente golpistas?

Desenha-se o cenário em que generais podem escapar, enquanto os ativistas das linhas intermediárias ficariam com o fardo do golpe que não deu certo.

Pois assim são os golpes e assim surgem as sequelas das acomodações. Porque historicamente nunca há fechamento de contas do golpismo no Brasil.

E os grandes devedores das democracias sempre ficam devendo tudo e muitas vezes invertem posições e até cobram o que acham que teriam a receber.

One thought on “Estamos de novo diante do risco das sequelas de acordos, tréguas e anistias pós-golpe

  1. Não haverá uma solução única. Alguns aceitarão um acordo, outros não. Porém nenhum deles deixará de ser golpista, pois creem que fizeram o certo, e que se não foram vitoriosos é porque foram traídos pelos generais. esse é o pensamento deles. A dissonância cognitiva impera.
    mesmo se condenados, de uma forma geral não irão cumprir penas pesadas.
    Uma vez livres, voltarão ao ativismo. E se vendo como mártires.
    Basta ver o vídeo da soltura de algumas presidiárias em que isso é claro.
    O problema maior é que o fascismo é hoje um movimento de massas no Brasil, que conta com a simpatia de ao menos um terço da população.
    Mas não será o judiciário que dará uma solução pra isso. Não compactuar co a impunidade é fundamental. Porém o buraco em que estamos metidos é bem mais embaixo.

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