O desacato a autoridade e os excessos da Lava-Jato

O juiz Sergio Moro poderia, em algum momento, ter enquadrado o advogado de Lula em crime de desacato a autoridade, no embate que teve com ele esta semana?

O duelo entre os dois indica que, no pico da troca de acusações, Moro faz questão de dizer que está sendo desrespeitado pelo advogado Juarez Cirino dos Santos. O defensor reclama de uma pergunta de um procurador a uma testemunha, o juiz o interrompe e o advogado reage:

– O senhor não pode cassar a palavra da defesa.

Moro é categórico:

– Posso, doutor.

E logo depois grita:

– O senhor respeite o juízo.

O advogado devolve, no mesmo tom:

– Mas escuta… eu não respeito vossa excelência enquanto o senhor não me respeita como defensor do acusado.

E o bate-boca continua. Juristas, advogados, engenheiros, jornalistas e todos os que opinam sobre o que sabem e o que não sabem vão dizer que esses embates fazem parte da natureza das audiências e são geralmente contornados. E que o advogado poderia, no máximo, ser advertido, como foi, pelo juiz que não aceita ser contrariado.

Moro já pediu à Folha de S. Paulo que censurasse um de seus principais articulistas, que criticara seus excessos. O colunista, que ele certamente não sabia quem era, chama-se Rogério Cerqueira Leite. É um dos mais respeitados cientistas e intelectuais brasileiros.

Cerqueira Leite escreve na Folha há quatro décadas. Qualquer universitário medianamente informado sabe de quem se trata. Pois Sergio Moro entendeu, em uma carta à Folha, que poderia recomendar ao jornal que Cerqueira Leite fosse maneteado por confundir, segundo ele, argumentações da tecnicidade da Justiça com posições políticas.

Relembro tudo isso para chegar a uma decisão desta semana do Superior Tribunal de Justiça que ajuda a salvar parte de um ano trágico. Segundo o STJ, desacato a autoridade deixa de ser crime. Não significa, nem poderia significar, que Moro, um policial ou um promotor possam ser desrespeitados. Não. Mas eles não mais poderão impor suas condutas como se fossem algozes detentores de uma autoridade absoluta e inquestionável.

É de se comemorar. Eu já fui ameaçado de prisão em um acidente de trânsito em que o outro motorista, com um carteiraço de oficial de Justiça, sentiu-se desacatado…

O Brasil tem autoridades demais. O caso da Lava-Jato é exemplar. Há um excesso de autoridades agindo seletivamente. E elas querem mais, como está no pacote das 10 medidas anticorrupção enviadas ao Congresso, que transformariam o Ministério Público no poder absoluto da República.

As liberdades devem se sobrepor aos excessos sem limites que atrofiaram a Lava-Jato. Por isso, os advogados de Lula podem continuar desafiando, não a autoridade, mas o autoritarismo que denunciam na postura insegura de Sergio Moro.

Assim como é de se questionar o comportamento do procurador-chefe da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, que também se manifesta publicamente em tom sempre ameaçador.

Espera-se que, com a decisão do STJ, as pessoas continuem sendo enquadradas por atitudes violentas, injuriosas ou caluniosas, e não pelo desacato do século 19, e que isso tenha valor para todos.

O poder absoluto da Lava-Jato, com suas convicções seletivas, este sim é um dos desacatos a serem enfrentados.

Espera-se que o juiz Sergio Moro saiba conviver com a crítica e com os que tentam exercer o direito de defesa. E que não se utilize do poder que tem para ameaçar e recomendar à imprensa que censure quem discorda de suas posições, como se isso fosse uma afronta a sua autoridade.

O juiz de Curitiba e toda a Lava-Jato devem se submeter ao que diz a Constituição de 1988, enquanto esta não for destroçada pelos golpistas que elegeram o próprio Sergio Moro como herói.

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Website Protected by Spam Master


3 + 7 =