A pior de todas as eleições

Confesso que nunca me preparei para uma eleição com tanto desânimo. Cumprirei meu direito amanhã quase como obrigação, na seção 68 da Hebraica, no Bom Fim, onde voto desde a primeira eleição direta para presidente pó-64, em 1989.

Ah, aquele 1989 que tudo prometia. Ah, esse 2016 que nos sequestrou quase tudo o que nem chegou a prometer.

Amanhã, irei aos trancos, empurrado pela mão trêmula e sem força da democracia brasileira, e andarei ladeira acima pela imposição de algo que ainda é maior do que o meu esmorecimento.

Não é um ensaio de desilusão cívica ou de acovardamento, é apenas um pedido de licença para desfrutar de outro direito, o do desencanto, talvez circunstancial e passageiro.

E também não é porque eu possa ter a pretensão juvenil de que minhas ideias e meus candidatos devem vencer sempre (a maioria perdeu), mas por saber que uma eleição hoje tem um sentido que nunca teve desde a redemocratização.

Estamos votando pela primeira vez depois do golpe e sabemos por antecipação que as esquerdas sofrerão a maior devastação produzida pelo voto no Brasil. Essa é uma eleição contaminada pelo golpe.

As esquerdas, que construíram suas bases com bravura nas ditaduras e depois, a cada eleição, na persistência de quem perseguiu até utopias vencidas, serão pulverizadas em uma eleição municipal.

Essa é a eleição para que as esquerdas despedaçadas purguem dissensos e egoísmos que impediram convergências em torno de projetos elementares, suas tentações corruptas (no caso, de parte do PT) e sua incapacidade de entender os movimentos subterrâneos da direita.

É uma eleição que talvez nem sirva para corrigir rumos, porque a maioria estará dedicada à autopiedade.

Essa é também uma eleição para reafirmação da certeza da direita de que pode chegar ao poder quando bem entende, sem voto, sem programa de governo e sem escrúpulos, e produzir estragos na própria democracia, já na eleição seguinte.

Essa eleição pós-golpe é a mais constrangida das eleições, mais até que as eleições municipais consentidas durante anos pela ditadura.

Essa eleição é a pior ressaca já enfrentada pelas gerações pós-64, com o agravante de que lá atrás construía-se a democracia e desta vez ninguém sabe ao certo o que a democracia golpeada pode nos prometer para depois de amanhã.

4 thoughts on “A pior de todas as eleições

  1. Sábias palavras. dessas que independente das ideologias, jamais deixam de ser levadas em consideração. concordo. no entanto apenas deixo uma pergunta: o que permitiu as ocorrências?

  2. Eu tomei uma boa dose ou overdose de egoísmo e estou nem aí paras as consequências dessa desgraça.
    Alguém lá do velho mundo falou que os primeiros 500 anos são os piores, depois a coisa anda.
    eu, INFELIZMENTE, não vou poder esperar então vou cuidar do que sobrou da minha vida e parar de querer consertar o que não tem conserto.
    Vou tentar ser a pior CIDADÃ que este país já teve. Vou sonegar, mentir, roubar, falcatruar, falsificar. Só não vou matar, isso por enquanto. A direita vai ter uma inimiga a sua altura. hahahaha!

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