Vossas excelências sabem que a mordaça do STF não punirá a empresa, mas o jornalista
Folha, Globo e Estadão entregariam tudo o que têm e ainda ficariam devendo, se fossem responsabilizadas na Justiça por todas as mentiras que publicam saídas da boca dos outros.
Mas esse risco não existe, mesmo que o Supremo tenha decidido que também os órgãos de imprensa divulgadores de informações falsas e difamatórias, ditas por terceiros, podem ser cobrados pelo que publicam.
Os riscos não existem se for considerado um conjunto de fatores maior do que a boiada de mentiras e ódios que os três jornais deixam passar para atacar Lula, o governo e as esquerdas.
Primeiro, porque os jornalões não são responsabilizados nem pelas mentiras saídas das suas linhas de montagem, a maioria pela fala e pela pena de fabricantes de opinião de dentro das redações.
É impossível imaginar que a Justiça possa dar conta da apuração do que é verdade e do que é mentira de tudo o que é publicado em todos os veículos.
É indefensável que só a imprensa possa ser condenada a reparar danos, se as arrogantes big techs donas das redes sociais são, por ação deliberada ou falta de controles, as maiores propagadoras de mentiras difundidas por seus usuários fascistas.
É improvável que pretensos ofendidos se voltem contra corporações de imprensa que somente são punidas quando a iniciativa da reparação parte de quem tem poder econômico, incluindo bolsonaristas ofendidos quando chamados de contrabandistas, sonegadores e lavadores de dinheiro.
Para muito além do debate sobre a questão de fundo, que é o risco de amordaçar a imprensa, o que deve se discutir é que a deliberação do STF passa a ser apenas uma ameaça, mas não para todos. É uma ameaça seletiva.
Mesmo com exemplos históricos de mentiras publicadas às vésperas de golpes, a imprensa não pode ser induzida a evitar a publicação da fala dos outros por achar que seu conteúdo é falso. Nem é preciso falar de liberdade de expressão.
Até porque a imputação de dano vai cair mais uma vez no colo da imprensa ainda chamada de alternativa e de veículos do interiorzão do Brasil, e não das corporações. As organizações hegemônicas sabem se defender, mas nas pequenas cidades, em sites e blogs o jornalista é a empresa.
Jornalistas sem a proteção do poder econômico e político são caçados por toda parte sem que ninguém fique sabendo. São perseguidos na Justiça por endinheirados que os acusam de publicar seus crimes como se fossem fake news.
Os lembrados acima, que sonegam, contrabandeiam e lavam dinheiro, não querem ser identificados, mesmo que com provas, como delinquentes. Nem os líderes religiosos de certas igrejas que vampirizam seus crentes.
E claro que há na grande imprensa profissionais dedicados à abordagem dessas facções. Mas converse com jornalistas de jornalões caçados por essa gente em busca de dinheiro de dano moral e da imposição do silêncio com a ajuda da Justiça.
Não são poucos os que vão dizer que se consideram ‘culpados’ pelo cerco enfrentado pela empresa, algumas vezes em massa, em ataque orquestrado do assédio judicial dos poderosos.
Muitos jornalistas são mandados embora em meio a processos, porque, como acontece com mulheres que teriam provocado o assediador, jornalista também é visto, dentro das corporações, como culpado pelo bullying dos poderosos.
Então, senhoras e senhores ministros do Supremo, considerem as seguintes contribuições. Quem será punido pela deliberação de vossas excelências não será a empresa, mas o jornalista que passará a evitar riscos, cobranças das chefias e, depois, o constrangimento das ações na Justiça.
Quem continuará sempre sob o risco de punição, mesmo que a empresa pague a conta, será o jornalista. E mais ainda o jornalista da imprensa sem amigos no sistema de Justiça.
O poderoso identificado com o bolsonarismo escolhe suas presas entre os que considera desprotegidos. Entidades dos jornalistas podem informá-los a respeito dessa caçada.
Se quiserem depoimentos pessoais de assédio judicial, podem me chamar. Tenho mais de meio século de jornalismo, nunca fui punido pelo que publiquei, mas sofro, a partir da ascensão da extrema direita, o assédio judicial dessa gente.
Verdades são consideradas fake news pelos acusadores, e teses nessa linha, vossas excelências sabem bem, podem prosperar em paróquias em que o poder determina o que é mentira e o que é verdade.
Poderemos ir de turma ao Supremo para mostrar como o poder econômico da extrema direita cerca jornalistas no Brasil com o pretexto de que seus crimes seriam fake news para injuriar e difamar. É só nos chamar.
(Posso levar, sem ostentação, um certificado da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) com a prova de que já recebi uma distinção da entidade por minha contribuição sobre o acesso do cidadão comum ao sistema de Justiça. Um prêmio de jornalismo concedido por juízes, o que hoje deveria valer muito, mas já não sei mais se vale muita coisa.)