FASCISTAS E CIENTISTAS POLÍTICOS NÃO CONSEGUEM MATAR A DEMOCRACIA

Se escrevesse um livro prevendo a hegemonia do liberalismo no mundo, Francis Fukuyama não venderia 10 exemplares, e só para liberais.

Mas se escrevesse um livro anunciando que, com a ascensão das ideias liberais, a História teria chegado ao fim, venderia milhões.

Foi o que Fukuyama fez, a partir de divagações em todas as áreas. Escreveu e cravou no título: O fim da história e o último homem.

Foi um dos best-sellers dos anos 90. Mas os valores do liberalismo, no sentindo mais amplo (e não só no econômico), do mercado e das liberdades, a partir dos ensinamentos do Ocidente, não prosperaram como ele imaginava. 

Mas Fukuyama ficou famoso e rico por anunciar o que não aconteceu. Duas décadas depois, surgiram os que se dispuseram a indicar, em direção contrária, que as condições estavam dadas para o fim das liberdades e das democracias.

Não a fragilização da democracia, nem seu uso temporário pela direita mais vulgar, como é o fascismo bolsonarista, mas a sua morte mesmo. Não bastava escrever sobre a degradação dos valores democráticos, mas sobre o fim do que foi construído até aqui.

Foi assim que Steven Levitsky e Daniel Ziblatt escreveram e cravaram no título ameaçador: Como as democracias morrem.

Os empenhados em matar as democracias não querem saber desse tipo de livro. Mas os muitos temerosos de que isso possa acontecer mergulharam no fatalismo que hoje quase afoga o Brasil.

Precisamos ter mais adiante algumas pistas que nos ajudem a entender por que o desalento é maior ou menor nesse ou naquele país em relação à perda da fé na democracia.

O Brasil em especial terá de ser investigado. As trevas do bolsonarismo, como incidente que nem fenômeno de massa é, não podem servir de pretexto para todas as explicações.

O antipetismo? O antilulismo? A classe média com medo dos pobres? Os pobres com medo dos outros pobres? O imperialismo americano? A hegemonia do mercado financeiro? A Fiesp, os grileiros e a Globo com o Supremo e com tudo?

Não há, diante do fracasso das intervenções liberais americanas, deliberadas ou não, em vastas áreas, como não concluir que o livro de Fukuyama fez espalhafato no título com o que não se cumpriu nem como ameaça.

Também dá para perceber que, depois do fracasso de Trump e de episódios recentes ocorridos perto de todos nós, o aviso inverso fracassou.

A democracia não morreu e ainda esperneia em toda parte. Tivemos a derrota da direita que Mauricio Macri levou para a extrema direita na Argentina. O massacre, pelo voto, do golpe boliviano que durou apenas um ano. O começo do fim da Constituição pinochetista e a possibilidade de ampliação dos poderes da representação política clássica no Chile.

Há ainda a derrota dos projetos de extrema direita no Uruguai e no Peru, todos reacomodados na parcela de minorias insignificantes que os acolhem. Isso para falar só do que está por perto.

Biden disse na posse: “A democracia prevaleceu. Hoje celebramos o triunfo, não de um candidato, mas de uma causa. A causa da democracia”.

Entusiasmar-se com frase tão singela não é contagiar-se de novo pelo americanismo de uma festa que manteve suas liturgias, mesmo que sem povo.

Não é tampouco cair na ilusão de que Biden poderá ser mais do que algum antecessor já foi. Nada disso, um presidente americano é o que é. Mas a democracia sabe que Biden não é Trump.

O que prevalece é o sentimento de que as coisas acontecem quando o que precisa ser salvo é a democracia. Os americanos podem comemorar a posse de Biden porque as instituições resistiram.

Mas só resistiram porque tiveram suporte. Está nos livros de Francis Fukuyama e de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. As instituições resistem se tiverem o lastro dos que as sustentam, que não são as autoridades transitórias, mas o povo.

Sim, o povo, esse ser que muitos consideram cada vez mais abstrato e gasoso, é o que segura uma democracia.

A democracia não está morta. O bom seria escrever e vender livros sobre como matar ditaduras ou ensaios de golpes e de ditaduras.

Se as democracias sabem como derrotar um Trump, saberão como acabar com um Bolsonaro.

Dedico este texto à minha amiga economista Lúcia Pilla, que nos deixou na quarta-feira. Espero que todos nós seus amigos saibamos cuidar da democracia que ela tanto desejou ver restaurada. Viva Lucinha.

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