QUE A JUSTIÇA NÃO SE DOBRE AO PODER DA EXTREMA DIREITA

A íntegra da nota da ABI sobre o julgamento do processo em que a jornalista Patrícia Campos Mello pede a condenação de Bolsonaro por ofensas de cunho sexual. O texto sobre o caso está logo depois da nota.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) acompanham com especial interesse o desfecho da ação movida pela jornalista Patrícia Campos Mello contra o senhor Jair Bolsonaro, agora em tramitação em recurso na 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por considerarem que o processo supera em muito uma questão restrita a mais um ataque do presidente da República à liberdade de imprensa e à atividade jornalística.
Após receber dois votos favoráveis à jornalista e um que atende à defesa de Bolsonaro, o julgamento foi suspenso devendo retornar nesta quarta-feira (29/06) quando serão conhecidas as posições dos dois últimos desembargadores.*
Ao ofender a jornalista, sugerindo criminosamente que o êxito de seu trabalho dependeria de favores sexuais, o agressor contumaz de profissionais da imprensa incitou o seu entorno e os seus seguidores para que continuem atacando as mulheres.
O réu tentou amedrontar e subjugar a jornalista e o jornalismo que o incomodam para assim interditar informações que Patrícia Campos Mello divulga na Folha de S. Paulo sobre delitos graves cometidos pelos que o cercam muito de perto.
A ABI e a FENAJ estão certas de que não há como enquadrar essa agressão no conceito da liberdade de expressão. Não é do que se trata. É uma ofensa pessoal que busca atingir também os alvos preferenciais da insegurança do agressor.
O opressor reincidente de mulheres cometeu um crime que se reproduz cotidianamente com cúmplices de suas falas e atitudes políticas, na maioria das vezes contra profissionais da imprensa sem a visibilidade da jornalista e o alcance nacional da Folha de São Paulo.
Fazer justiça nesse caso é oferecer à jornalista, à imprensa e ao interesse público uma reparação concreta, junto com o sentimento de que o Judiciário não se dobra ao poder político de disseminadores do ódio, especialmente contra mulheres.
Rio de Janeiro, 28 de junho de 2022
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA – ABI
FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS – FENAJ

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FOLHA DE S. PAULO

Desembargador diz não ter visto insinuação sexual de Bolsonaro a repórter da Folha

Julgamento de recurso na segunda instância deve ser retomado na próxima quarta-feira (29)

Géssica Brandino

O desembargador Salles Rossi, da 8ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), acolheu a tese da defesa do presidente Jair Bolsonaro (PL) em processo de indenização por danos morais contra ele por ofender a honra da jornalista Patrícia Campos Mello, repórter da Folha.

Com a abertura de divergência nesta semana, a turma que julga o caso foi ampliada de três para cinco desembargadores. Silvério da Silva, o próximo a votar, pediu vista para analisar mais o processo.

O julgamento deve ser retomado na próxima quarta-feira (29). Além de Silvério, também votará o desembargador Theodureto Camargo. O placar está em 2 votos a 1 a favor de Patrícia.

Bolsonaro foi condenado em primeira instância por fazer uma insinuação sexual contra Patrícia, em fevereiro de 2020, usando para isso o termo “furo” para se referir ao orifício do corpo da repórter.

Na ocasião, em entrevista diante de apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente citou o depoimento do ex-funcionário de uma agência de disparo de mensagens em massa por WhatsApp, Hans River do Nascimento, que mentiu à CPMI das Fake News dizendo que a jornalista queria “um determinado tipo de matéria a troco de sexo”.

“Olha a jornalista da Folha de S.Paulo. Tem mais um vídeo dela aí. Não vou falar aqui porque tem senhoras aqui do lado. Ela falando: ‘Eu sou (…) do PT’, certo? O depoimento do Hans River foi final de 2018 para o Ministério Público, ele diz do assédio da jornalista em cima dele”, disse o presidente, para em seguida, aos risos, fazer o insulto com insinuação sexual.

“Ela [repórter] queria um furo.” Na sequência, Bolsonaro muda de tom e arregala os olhos e diz: “Ela queria dar o furo [risos dele e dos demais]”. Após uma pausa durante os risos, Bolsonaro concluiu: “A qualquer preço contra mim”.

A palavra “furo” é um jargão jornalístico para se referir a uma informação exclusiva.

Patrícia é autora de uma série de reportagens que revelou um esquema de contratação de empresas para realizar disparos em massa para favorecer Bolsonaro durante as eleições de 2018, que fizeram dela alvo preferencial dos bolsonaristas nas redes sociais.

​Após a declaração do presidente, esses ataques se intensificaram novamente, com postagens, memes e vídeos associando a repórter à prática de sexo anal e prostituição, ofensas que se repetem a cada reportagem assinada por ela.

Em março de 2021, a juíza Inah de Lemos e Silva Machado, da 19ª Vara Civil de São Paulo, condenou o presidente a indenizar a repórter em R$ 20 mil por danos morais, afirmando que Bolsonaro usou a palavra “furo” de forma dúbia, expondo a jornalista e lhe causando danos.

A defesa do presidente, feita pela advogada Karina Kufa, recorreu pedindo a absolvição do chefe do Executivo, enquanto a defesa de Patrícia, representada pela advogada da Folha, Tais Gasparian, apresentou recurso pedindo que o valor da indenização fosse elevado.

No julgamento em curso no TJ-SP, a relatora, Clara Maria Araújo Xavier, votou pela manutenção da condenação do chefe do Executivo e pela elevação do valor da indenização para R$ 35 mil.

“O apelado [Bolsonaro] proferiu discurso ofensivo, desrespeitoso, machista e mentiroso contra ela, utilizando-se de subterfúgio inescrupuloso para desacreditá-la como profissional e como mulher”, disse.

“Afirma ser inquestionável, no que se refere ao âmbito profissional, que as afirmações falsas realizadas por Hans e incentivadas e renovadas pelo apelado, por meio de piadas a ela direcionadas com o termo furo, enquanto orifício de seu corpo, sujeitaram-na à valoração negativa da sociedade.”

“No que se refere ao âmbito pessoal, defende que as ofensas perpetradas a atingem não apenas como mulher, repercutindo em seus familiares e, principalmente, em seu filho, que está em idade escolar”, escreveu a relatora, resumindo os argumentos da defesa da jornalista.

Já o desembargador Salles Rossi, que votou na sequência, abriu divergência, dizendo ter visto o vídeo e entendido que não houve emprego do termo “furo” no sentido sexual. Como o julgamento ainda não foi concluído, os votos não foram publicados.

O desembargador Pedro de Alcântara acompanhou a relatora pela manutenção da condenação e elevação do valor da indenização, deixando o placar em 2 votos a 1 a favor de Patrícia. Porém, caso os dois desembargadores sigam o voto divergente, a repórter perderá a ação contra Bolsonaro.

O voto dado por Salles é diferente da postura adotada por ele em setembro do ano passado, quando acompanhou o voto do relator Alexandre Coelho para negar o recurso apresentado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e elevar de R$ 30 mil para R$ 35 mil o valor da indenização a ser paga a Patrícia por insultá-la.

Eduardo disse o seguinte sobre Patrícia: “Essa Patrícia Campos Mello, que, vale lembrar, tentou seduzir o Hans River. Não venha me dizer que é só homem que assedia mulher não, mulher assedia homem, tá. Tentando fazer uma insinuação sexual para obter uma vantagem, de entrar na casa do Hans River, ter acesso ao laptop dele e tentar ali, achar alguma coisa contra o Jair Bolsonaro, que não achou”.

Para o relator, a conduta do deputado foi contrária à lei e merece reprimenda.

“Dúvida não há de que o ato de afirmar em público e publicar em rede social o quanto questionado nos autos decorreu da manifestação livre da vontade do réu. De fato, os fatos atribuídos à autora são desabonadores sérios que ofendem a reputação pessoal e profissional, violando direito da personalidade”, diz o acórdão do julgamento.

Em março, a Justiça de São Paulo confirmou a decisão de primeira instância que obrigou o deputado estadual André Fernandes (PL-CE) a indenizar em R$ 50 mil a jornalista por insultá-la no Twitter.

Em fevereiro, a condenação contra Hans River, de abril de 2021, foi anulada por questões técnicas e a defesa aguarda a nova sentença.

O único caso negado até agora foi o pedido de indenização contra Allan dos Santos, fundador do site bolsonarista Terça Livre. A defesa da jornalista já recorreu.

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